O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no dia 10 de abril de 2024, que os segurados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que receberam valores em razão da chamada “revisão da vida toda” não precisarão devolver esses recursos aos cofres públicos. A decisão abrange os pagamentos realizados até o dia 5 de abril de 2024 e representa um importante marco no campo previdenciário, trazendo segurança jurídica para milhares de aposentados e pensionistas que, amparados em decisões judiciais, obtiveram a revisão de seus benefícios.
A tese da “revisão da vida toda” surgiu a partir do Recurso Extraordinário 1276977, com repercussão geral reconhecida (Tema 1102), julgado em dezembro de 2022. Na ocasião, o STF firmou o entendimento de que os segurados da Previdência Social tinham o direito de optar pelo cálculo do benefício mais vantajoso, considerando todas as contribuições feitas ao longo da vida, inclusive aquelas anteriores a julho de 1994 — data de implementação do Plano Real e início da regra de transição criada pela Lei 9.876/1999, que passou a desconsiderar os recolhimentos anteriores a esse período.
Esse entendimento representou uma vitória para diversos aposentados que, antes da nova norma, contribuíam com valores significativos e tiveram seus benefícios prejudicados pela exclusão dessas contribuições mais antigas no cálculo. Com a decisão de 2022, abriu-se a possibilidade de revisão de milhares de aposentadorias, mediante ações individuais junto ao Poder Judiciário.
No entanto, em março de 2024, o STF revisitou a questão ao julgar duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 2110 e 2111), propostas para questionar dispositivos da Lei 9.876/1999. Por maioria, o Tribunal decidiu que a regra de transição do fator previdenciário, que exclui as contribuições realizadas antes de julho de 1994, é de aplicação obrigatória para todos os segurados. Dessa forma, ficou vedada a possibilidade de o beneficiário optar pelo cálculo mais benéfico, nos moldes da tese da revisão da vida toda.
Essa mudança de orientação gerou preocupação entre segurados e advogados, principalmente em relação aos aposentados que já haviam obtido decisões judiciais favoráveis ou que tinham ações em andamento. A insegurança aumentou com o risco de devolução dos valores pagos, o que comprometeria não apenas o planejamento financeiro de milhares de famílias, mas também o princípio da confiança legítima no Poder Judiciário.
Diante disso, a Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (CNTM) interpôs embargos de declaração na ADI 2111, alegando que a decisão anterior teria omitido questões relevantes e violado a segurança jurídica ao retroagir seus efeitos, alcançando segurados que, amparados pela jurisprudência firmada no Tema 1102, buscaram o Judiciário para pleitear a revisão de seus benefícios.
O julgamento desse recurso começou em sessão virtual, mas um pedido de destaque levou a análise para o Plenário presencial. Na sessão de 10 de abril de 2024, o relator, ministro Nunes Marques, ajustou seu voto e acolheu a proposta apresentada pelo ministro Dias Toffoli, que sugeriu a modulação dos efeitos da decisão. Ficou então definido que os valores recebidos pelos segurados em decorrência da revisão da vida toda até 5 de abril de 2024 não precisarão ser devolvidos.
Além disso, o Supremo decidiu que, excepcionalmente nesse caso, não serão cobrados honorários advocatícios e custas processuais dos autores de ações judiciais relativas à revisão da vida toda que ainda estavam pendentes de conclusão até essa data. Essa medida visa resguardar o princípio da segurança jurídica e proteger o direito de acesso à Justiça daqueles que, de boa-fé, buscaram amparo judicial com base no entendimento vigente à época.
Segundo o ministro Dias Toffoli, a decisão não representa uma incoerência da Corte, mas sim um cuidado necessário para preservar a confiança dos cidadãos no sistema jurídico brasileiro. “Não podemos quebrar a confiança daquele que procura o Poder Judiciário com base nos seus precedentes”, afirmou o ministro durante a sessão.
Com esse desfecho, o STF reafirma seu compromisso com a estabilidade e a previsibilidade das decisões judiciais, reconhecendo a boa-fé dos segurados e advogados que atuaram conforme a jurisprudência então consolidada. O julgamento também reforça a importância da modulação de efeitos como instrumento de proteção à segurança jurídica em situações de alteração de entendimento em matéria de grande impacto social e econômico.
Para os aposentados e pensionistas, a decisão garante tranquilidade quanto à manutenção dos valores já recebidos e encerra o risco de devolução, ainda que a tese da revisão da vida toda não possa mais ser aplicada aos novos casos. Já para o INSS, a decisão contribui para o planejamento orçamentário, ao limitar os efeitos da tese, mas sem prejudicar aqueles que já haviam sido beneficiados antes da mudança de entendimento.