Em decisão recente, o CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) reforçou um importante entendimento para o ambiente empresarial brasileiro: o planejamento tributário baseado na segregação de atividades entre diferentes pessoas jurídicas pode ser considerado legítimo, mesmo quando acarreta economia fiscal, desde que respeitados certos critérios legais e operacionais.
O caso analisado envolvia uma empresa atacadista que, como parte de uma reestruturação interna, constituiu uma transportadora independente, optante pelo regime de lucro presumido, para executar os serviços logísticos que antes eram realizados internamente. A reestruturação gerou eficiência operacional e redução da carga tributária, o que motivou a contestação fiscal. No entanto, ao analisar o caso, o CARF concluiu que não houve simulação, dissimulação ou fraude à lei, validando a estrutura adotada.
O que o CARF considerou para validar o planejamento?
De acordo com o voto do relator, conselheiro Fernando Augusto Carvalho de Souza, o grupo econômico demonstrou que a segmentação das atividades não foi artificial. A nova transportadora possuía estrutura própria, autonomia operacional e financeira, clientes fora do grupo e organização interna distinta da empresa atacadista. A decisão destacou ainda que o propósito negocial, embora desejável, não é um requisito essencial para a validade do planejamento, desde que não se constate abuso de forma ou uso indevido da personalidade jurídica.
O relator pontuou expressamente:
“No presente caso, não sendo o propósito negocial um requisito essencial e não se verificando qualquer ato dissimulado praticado pela Recorrente que provocasse a sua desconsideração, entendo que a segregação operacional das atividades (split strategy), promovida pela Recorrente, foi legal, dentro da vasta possibilidade de se auto-organizar.”
Com isso, o CARF reafirma o direito do contribuinte de estruturar sua atividade econômica da forma mais eficiente, inclusive com redução da carga tributária, desde que as operações sejam reais, lícitas e transparentes.
Ementa do julgado
A ementa do acórdão deixa claro o entendimento da Câmara julgadora:
“PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO. IDENTIFICAÇÃO DE PROPÓSITO NEGOCIAL. ABUSO DE DIREITO. INEXISTÊNCIA.
A abertura de pessoa jurídica, com autonomia financeira e operacional, para realizar processo produtivo complementar, não configura planejamento tributário abusivo, desde que não identificadas hipóteses de simulação, dissimulação, dolo ou fraude à lei, ainda que desta reorganização empresarial decorra economia tributária, porquanto identificado também diverso propósito negocial.”
(Processo nº 10120.740230/2022-16, julgado em 28/01/2025, Acórdão nº 1401-007.372)
Quais elementos tornam essa estratégia segura?
Como aponta o tributarista Leonardo Lucci, para que a segregação de atividades seja aceita pelas autoridades fiscais e reduza o risco de autuações, é essencial que a estrutura adotada não seja apenas formal, mas também substancial. Entre os principais pontos de atenção, destacam-se:
1. Pessoas jurídicas distintas, com CNPJs, contratos sociais e estrutura própria;
2. Segregação real das atividades, com operações efetivas e a preços de mercado;
3. Carteiras de clientes independentes, sem exclusividade entre empresas do mesmo grupo;
4. Estabelecimentos físicos separados, com endereços e operações distintas;
5. Quadros de funcionários próprios, sem compartilhamento informal de mão de obra;
6. Administradores e sócios distintos, para evitar confusão patrimonial e operacional;
7. Contabilidades separadas, com livros e registros contábeis independentes;
8. Contratos formalizados para eventuais compartilhamentos (como rateio de despesas);
9. Empréstimos formalizados com cláusulas de mercado, evitando transações simuladas;
10. Identidade visual, marcas e operação comercial independentes, reforçando a autonomia.
O que isso representa para as empresas?
Essa decisão do CARF representa um importante precedente para grupos empresariais que buscam eficiência fiscal por meio da reestruturação de suas operações. Ela sinaliza que o planejamento tributário não é, por si só, um ilícito, desde que amparado em bases econômicas legítimas e estruturado com consistência.
A liberdade de organização empresarial é um direito assegurado pela legislação brasileira. No entanto, é essencial que essa liberdade seja exercida com responsabilidade técnica, planejamento jurídico adequado e documentação precisa das operações.