O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio de sua Terceira Turma, proferiu uma decisão importante no campo do direito do consumidor e dos contratos bancários. O colegiado reformou um acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que havia permitido que uma financeira compensasse um valor devido a uma consumidora com parcelas futuras de um contrato de empréstimo. Para o STJ, essa prática não é permitida, pois a compensação de obrigações só pode ocorrer em relação a dívidas já vencidas.
A decisão reforça a necessidade de proteção do consumidor em contratos bancários e destaca que a compensação de valores deve respeitar os requisitos legais estabelecidos pelo Código Civil. O julgamento pode impactar casos semelhantes em que instituições financeiras tentam reduzir suas obrigações compensando valores indevidamente cobrados com parcelas ainda não vencidas.
Entenda o Caso
O caso teve origem em uma ação de revisão contratual movida por uma consumidora contra uma instituição financeira. A cliente alegou que o contrato de empréstimo que firmou continha cláusulas abusivas, resultando na cobrança de encargos superiores ao que seria razoável dentro das condições do mercado.
Diante disso, a consumidora requereu judicialmente a revisão das cláusulas e a devolução dos valores pagos indevidamente. No curso do processo, a financeira argumentou que, caso fosse condenada a restituir algum montante, deveria ser autorizada a compensar esse valor com parcelas futuras do mesmo contrato, de modo a quitar parte do saldo devedor ainda pendente.
O juízo de primeiro grau, ao reconhecer a abusividade das cláusulas questionadas, determinou o recálculo das taxas de juros e demais encargos, adotando como referência as taxas praticadas pelo mercado na época da contratação. Além disso, concedeu a compensação dos valores a serem restituídos com parcelas ainda vincendas do contrato.
O TJRS manteve essa decisão, permitindo que a financeira utilizasse as parcelas futuras para compensar o montante devido à consumidora. No entanto, a cliente recorreu ao STJ, argumentando que essa compensação não seria possível, pois as parcelas em questão ainda não haviam vencido.
O Que Diz a Legislação Sobre a Compensação de Dívidas?
No julgamento do recurso especial, a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, analisou os dispositivos do Código Civil que tratam da compensação de obrigações. O artigo 368 do Código Civil prevê que, quando duas pessoas são ao mesmo tempo credoras e devedoras uma da outra, as obrigações se extinguem até onde se compensarem. No entanto, conforme o artigo 369, para que a compensação seja válida, é necessário que os débitos sejam líquidos, vencidos e de coisas fungíveis (bens substituíveis por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade).
A ministra destacou que, segundo a jurisprudência consolidada do STJ, a compensação de dívidas deve atender a critérios rigorosos, exigindo reciprocidade dos créditos e homogeneidade entre as prestações. No caso específico, a financeira pretendia compensar sua obrigação com parcelas que ainda não haviam vencido, o que contraria os requisitos legais.
Dessa forma, a Terceira Turma do STJ entendeu que a decisão do TJRS violava os princípios que regem a compensação de dívidas e reformou o acórdão para impedir que a financeira utilizasse as parcelas futuras para quitar o valor devido à consumidora.
O Impacto da Decisão Para os Consumidores
Essa decisão tem um impacto significativo para os consumidores, especialmente aqueles que enfrentam cobranças indevidas em contratos bancários.
O entendimento do STJ reforça que, sempre que houver valores a serem devolvidos ao cliente por abusividade contratual, a restituição deve ser feita de forma integral e imediata, sem que a instituição financeira se utilize de compensações com parcelas futuras para minimizar seus prejuízos. Caso contrário, a devolução perderia seu efeito prático, já que o consumidor continuaria vinculado ao pagamento do contrato de forma antecipada.
A relatora do caso destacou que a prática permitida pelo TJRS poderia prejudicar os consumidores, esvaziando o direito à devolução de valores cobrados indevidamente. “A manutenção da sentença nos termos narrados poderia esvaziar a devolução dos valores cobrados indevidamente, sobretudo diante de contratos bancários de trato sucessivo”, concluiu a ministra Nancy Andrighi.
Além disso, a decisão do STJ sinaliza que instituições financeiras devem ser mais criteriosas ao estruturar cláusulas contratuais e ao realizar cobranças, sob pena de enfrentarem sanções judiciais.
Conclusão
O julgamento da Terceira Turma do STJ fortalece os direitos dos consumidores e impõe limites às práticas das instituições financeiras, garantindo que valores cobrados indevidamente sejam restituídos sem compensações inadequadas.
A decisão segue o entendimento do Código Civil e da jurisprudência consolidada do tribunal, reafirmando que a compensação de dívidas só pode ocorrer quando há reciprocidade e quando os valores são líquidos e vencidos.
Diante desse cenário, consumidores que suspeitam de cláusulas abusivas em seus contratos bancários devem buscar assessoria jurídica especializada para questionar cobranças indevidas e garantir que seus direitos sejam respeitados.