Projetos de parcelamentos tributários voltaram ao foco do Congresso Nacional. Setores empresariais como a indústria e o comércio vêm articulando com os parlamentares pela necessidade urgente de um alívio tributário para as empresas prejudicadas pelo agravamento da crise econômica trazida pela longevidade da pandemia da Covid-19 no Brasil. No entanto, há preocupação de entidades como o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO) sobre como um “novo Refis” pode beneficiar os chamados devedores contumazes de tributos.
Segundo especialistas consultados pelo JOTA, um dos projetos que tem chances de movimentação é o PL 4728/2020, de autoria do atual presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Esse projeto reabre o prazo de adesão ao Programa Especial de Regularização Tributária (Pert) com ajustes nos prazos e modalidades de pagamento.
A esperança no projeto se deu depois que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, anunciou que a Casa poderia votar algum parcelamento nos próximos meses. Desde então, o PL 4728/2020, proposto pelo democrata e relatado pelo líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), voltou ao foco das atenções de setores empresariais e dos parlamentares. Porém, ainda não há parecer do relator sobre a proposta e, enquanto isso, não é possível pensar em votação. O Aprovômetro do JOTA indica 21,6% de chances de o PL ser aprovado.
O PL 4728/2020 reabre o Pert e traz algumas novidades em relação ao programa de 2017, como, por exemplo, redução da entrada mínima de 20% para 5% do valor da dívida consolidada. Além disso, a dívida tributária pode ser parcelada em até 175 parcelas mensais, e há redução de 100% das multas, juros e encargos legais. Assim como o Pert de 2017, é possível usar prejuízo fiscal e saldo negativo de CSLL, desde que limitado a R$ 15 milhões.
O projeto agrada tributaristas consultados pelo JOTA. Para eles, o Pert foi um programa bem-sucedido no passado, e, neste momento de crise econômica, programas de parcelamento de dívidas tributárias são essenciais para a sobrevivência das empresas e manutenção de empregos. Principalmente porque o Pert permite o uso do prejuízo fiscal e saldo negativo, de modo que as empresas podem quitar dívidas fiscais sem alterar o fluxo de caixa.
No entanto, na análise de Edson Vismona, presidente do ETCO, um dos pontos de preocupação é o devedor contumaz. O projeto não diferencia os devedores ocasionais, lesados pela pandemia da Covid-19, daqueles que não pagam tributos e prejudicam a concorrência no Brasil. Para Vismona, um programa de parcelamento de dívidas fiscais deve ocorrer por conta da pandemia, mas com alguns cuidados de modo a evitar a criação de uma situação desleal entre concorrentes.
“Você precisa ter filtros que não prejudiquem os bons [pagadores]. Esse é o nosso desafio. Por exemplo, quem tiver débitos acima de R$ 15 milhões e que não tenha cumprido pelo menos dois parcelamentos anteriores, não poderá participar dessa proposta. É uma ideia, não temos isso claro”.
Na opinião de Vismona, a preocupação não existiria caso o Congresso Nacional já tivesse aprovado projetos de lei que qualificam o devedor contumaz. Segundo ele, se houvesse a definição clara sobre o devedor contumaz nas leis brasileiras, os projetos de refis poderiam trazer algum artigo remetendo à lei sobre o devedor contumaz e excluindo esses perfis nocivos à concorrência.
Atualmente, existem dois projetos em discussão sobre o tema: o PL 1646/2019, que qualifica o devedor contumaz como aquele cuja atuação extrapola os limites da inadimplência e se situa no campo da ilicitude, com graves prejuízos a toda sociedade, e o PLS 284/2017, que define devedor contumaz como aquele que atua no campo do ilícito, com práticas abusivas de empresas que se formam com a única finalidade de não pagar tributos, no todo ou em parte, e, com isso, obter vantagem concorrencial. O PLS 284/2017 é de relatoria de Rodrigo Pacheco.
O advogado Guilherme Yamahaki, do escritório Schneider e Pugliese, acredita que a reabertura do Pert, conforme o previsto pelo PL 4728/2020, é uma boa solução para as empresas porque já é um programa com regras conhecidas e que deu certo recentemente. Para ele, devido à gravidade da crise econômica que alguns setores vivem, a discussão do devedor contumaz não pode atrasar o andamento do novo refis.
“Nesse momento, o foco deveria ser a sobrevivência das empresas, a manutenção dos empregos e, em contrapartida, auxiliar o governo com caixa para que ele possa fazer os auxílios necessários à população durante a pandemia. Aí depois a gente discute a recorrência dos parcelamentos especiais, que é o mote que foi discutido no PL do devedor contumaz”, afirma.
O tributarista João Amadeus, do Martorelli Advogados, explica que é complicado inserir travas de acesso ao parcelamento no intuito de afastar o devedor contumaz porque há chances do programa ferir a isonomia tributária. “Se vier algum tipo de limitação, ela não pode ser contrária à isonomia, você não pode estabelecer nenhum tipo de condição discriminatória. Para barrar o devedor contumaz, isso deve estar bem justificado, bem esclarecido e atento à questão da isonomia, para não estabelecer nenhum tipo de injustiça entre os contribuintes”.
Fonte: JOTA